7 de abr. de 2011

A Conquista da Noite

Medo. Ainda me lembro das noites em que me visitava. Como os gatos que preferem a vida noturna, o medo ficava à espreita esperando a ordem “vamos dormir” de minha mãe. Para mim, uma criança como qualquer outra, a ordem se assemelhava à sentença de um juiz “leve-o para a execução”. Até hoje me pergunto o porquê de tanto medo. Era a noite apenas, mas eu precisava me sentir seguro. Felizmente, minha irmã compartilhava do mesmo dilema, de uma forma mais exagerada, eu diria. Assim, era ela que armava os esquemas para que nós passássemos a noite na fortaleza.
Toda noite, um pouco antes de sentarmos no sofá para o ritual “novela das oito”, minha irmã me puxava num canto e cochichava:
- O que a gente vai fazer hoje?
Certa vez, eu respondi:
- Estava pensando em inventar uma música.
Parecia idiota essa idéia, mas nunca duvidei do poder da Arte sobre os pais. Incrível como simples rabiscos conseguem arrancar a mais sincera aprovação de uma mãe.
- Ótima idéia! Nós podemos começar assim ó: “mamãe, deixa eu dormir no seu quarto”.
Minha irmã sempre foi direta ao pedir algo. Eu não queria fazer assim, mas também não queria brigar com ela. Eu sempre perdia. Fizemos então uma melodia com uma entonação estridente na expressão “no seu quarto”. Pronto!
Depois da novela, minha irmã e eu, lado a lado, com as mãozinhas para trás, inclinando o corpo de um lado para o outro para marcar o tempo da música, cantamos em uníssono aquela melodia horrorosa.
- Vão pegar os colchões logo antes que eu me arrependa! Disse minha mãe.
O tom áspero não diminuía a nossa euforia. O medo estava derrotado, pelo menos durante aquela noite. Colocamos os colchões no chão ao lado da cama e dormimos tranquilamente. Eu sempre colocava o meu do lado de minha mãe. Ela sempre estendia a sua mão para que eu a segurasse até dormir.
Outro dia nasceria, outras noites viriam. Nossas idéias para convencer nossa mãe estavam ficando escassas e descabidas, assim como nossa idade para sentir medo.
Chegou o dia em que estávamos proibidos de entrar novamente na fortaleza, mas ainda tínhamos um ao outro. Minha irmã me fazia empurrar a minha cama pra junto dela e ficávamos jogando adivinhações até que o sono viesse. O jogo era simples: escrevíamos algo no ar com o dedo e o outro tinha que adivinhar o que era. O engraçado é que ela sempre pegava no sono quando era minha vez de escrever. Eu sempre ficava acordado sozinho enfrentando o medo, o que me fez criar resistência a ele.
Hoje minha irmã ainda não dorme sem que uma luz esteja acessa em algum lugar da casa. Eu, porém, construí minha própria fortaleza e durmo tranqüilo.

Um comentário:

  1. Gostei muito, Lembrei das minhas noites de criança.
    Bjs, Carol

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