21 de mar. de 2011

Mensageiros das Ruas

Era uma noite comum na capital, não para mim, um interiorano que estava apenas de passagem. Quando me vi sozinho na estação do metrô, um sentimento de pavor misturado ao de liberdade se apossou de mim. Entrei no movimento frenético das pessoas. Andava rápido na mesma direção da massa. Não me atrevia a encarar ninguém, mesmo que esbarrassem em mim. Afinal, não haveria tempo para me desculpar, muito menos encontrar a pessoa em que eu havia esbarrado. O jeito era permanecer indiferente a tudo, assim como todo mundo na grande marcha da vida cotidiana da cidade grande.
Entrei em um vagão e permaneci perto da porta por medo de não conseguir sair quando chegasse o meu destino. Segurando-me firme no trem, comecei a pensar naquele dia que estava chegando ao fim quando ouvi um grito do fundo do vagão: “A palavra do Senhor diz...” Por uma fração de segundo, pensei que se tratava de um assalto. Olhei atônito para o lugar de onde vinha aquela voz. Era um homem de meia idade, barba parcialmente grisalha e de olhos fundos. Calçava chinelos de dedo, uma calça desbotada e uma camiseta de propaganda por baixo de um casaco azul. Tinha em suas mãos uma Bíblia desgastada e um pouco amassada. Percebi que o povo dentro do trem ainda mantinha a mesma expressão indiferente da estação, como se o homem não estivesse ali. Ninguém o olhava, muito menos prestava atenção ao que ele dizia. Atentei-me ao discurso do pregador, desviando o olhar quando ele vinha em minha direção. Falava energicamente de princípios familiares, de fidelidade, de como Deus se agradava daquilo e como o mundo estava se acabando por não crer. As veias saltavam-lhe do pescoço enquanto pregava. Talvez ele estivesse vivendo um daqueles pesadelos em que se grita sem que ninguém possa ouvir. Eu o ouvia, mas não me atrevi a dar sinais de atenção. Será que as pessoas que estavam ali faziam o mesmo?
Quando desci na estação Tietê, olhei para trás na tentativa frustrada de agradecer pela mensagem. Era tarde demais. Dentre as faces desfocadas dos que desciam junto comigo, eu o vi parado dentro do trem, quieto, esperando o movimento cessar para poder continuar o discurso. Estava claro que aquele homem não esperava que alguém lhe desse algo pelo seu trabalho, seu prazer talvez estivesse em tornar conhecida a mensagem que levava.
É interessante como as pessoas podem parecer iguais quando são contempladas no meio de uma multidão. No terminal rodoviário, via as mesmas pessoas da estação, como se um elenco de figurantes tivesse sido contratado para contracenar comigo o filme daquela noite.
Comprei minha passagem, desci até as plataformas de embarque. O clima pareceu-me um pouco mais humano. As pessoas conversavam entre si, trocavam sorrisos, abraços, até olhares desconfiados. Uns falavam de trabalho, outros do atraso do ônibus. Uns falavam do tempo, outros do presidente. Permaneci em pé e, depois de olhar para o relógio, bufei ao me dar conta que teria que esperar mais meia hora em pé.
Foi quando percebi no meio do burburinho uma melodia bem suave vindo das escadas rolantes. Virei-me para ver de onde vinha. Era um jovem de pele morena que tocava violão e cantava uma canção cuja letra se resumia em “Jesus ama você!”. Aquele reggae chamou a atenção de muitos. Alguns riam de escárnio, outros o ignoravam. O jovem mantinha o sorriso no rosto e tentava olhar para os que o ouviam. Desse modo, ele passou por mim e desapareceu no meio da multidão. Não carregava um chapéu ou algo que lhe servisse de salva para que pudessem lhe dar dinheiro por sua música. Assim como o homem do metrô, o objetivo era apenas transmitir aquela mensagem.
Aquele episódio fez com que eu me esquecesse do desconforto nas pernas por estar há mais de uma hora e meia em pé. Quando finalmente o ônibus chegou, embarquei e deixei a cidade com aquela melodia na cabeça.
Cheguei ao meu destino, mas ainda precisaria pegar mais um ônibus para chegar em casa. O carro dessa vez estava vazio. A noite já era avançada quando um casal de idosos entrou e meu deu um “boa-noite”. Ambos estavam bem vestidos e perfumados. Ele com um terno escuro e ela em um vestido azul por baixo de um xale preto. Julguei que tivessem acabado de sair de algum culto no centro da cidade, pois carregavam duas Bíblias consigo.
Tudo estava calmo, como aquela noite. O ônibus estava no meio do percurso, quando entrou mais um sujeito. Era um homem um pouco sujo. Tinha o olhar cansado e um pouco vermelho. Assim que entrou, percebi que ele não tirava o olho do casal de idosos. Não demorou muito para que ele se aproximasse e pedisse educadamente: “Vejo que vocês são de igreja. Vocês poderiam lembrar-se de mim nas suas orações?” O velho imediatamente respondeu que sim e retrucou: “Você não parece bem. Aconteceu alguma coisa?” O homem hesitou por um momento, olhou pra baixo e continuou. “Minha história é muito longa, meu senhor, mas creio em Deus e creio que Ele poderá ouvi-los.”
Nesse momento a velha tomou a palavra: “Ele também pode ouvi-lo, se você orar!” “Não...” respondeu emocionado, “Acho que estou muito sujo e não é só a minha roupa, se é que me entende”
Vendo que estava chegando ao seu destino final, o velho pediu o telefone daquele homem e acrescentou: “Não existe pecado que possa separar o homem que se arrepende”
Despediram-se enquanto o casal descia. Aquele homem chorou por uns minutos e logo desceu também.
Eu fiquei sozinho naquele ônibus pensando em tudo o que me ocorreu naquela noite. Quem eram aquelas pessoas? Por que estavam fazendo aquilo?
Quando desci lembrei-me do versículo que diz: “...quão formosos são os pés dos que anunciam a paz”

Um comentário:

  1. OH!!!! MEU AMADO , IRMÃO !!! QUE LINDA CRÔNICA !! COMO ME FAZ REFLITIR O QUANTO NÃO FAÇO NADA COM O " IDE , POR TODO MUNDO E PREGAI O EVANGELHO À TODA CRIATURA !!! MARCOS:16>>> VAMOS ORAR UNS PELOS OUTROS ... DEUS O ABÊNÇOE ...ABÇOS >EURÍDICE & EDVALDO .

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