9 de abr. de 2010

Samanta

Já faz um ano que ela se foi, mas a tristeza se recusa a desvanecer em meu coração. Como pode? Cultivar um afeto tão intenso por um simples animal de estimação? O leitor poderá interromper a leitura por aqui, julgando ridícula a proposta desse texto. Entendo perfeitamente, mas escrevo para tentar explicar - e também compreender - o emaranhado dos meus sentimentos.
Samanta era uma gata da raça siamesa, que chegou em casa, ainda filhote, no carnaval de 1994. Eu era uma criança de 6 anos e não gostava muito de gatos. Achava-os metidos e perigosos. Realmente, os gatos são dotados de personalidade. Se ele não gosta do seu colo, e você insitir para que ele fique, o bichano vai te arranhar! Portanto, a chegada do novo membro não me entusiasmou. Ela pertencia à minha irmã e isso já estava de bom tamanho.
Os anos passaram. Mudamos de casa umas 5 vezes. Concluí o ensino fundamental e o médio. Passei por uma dieta e emagreci 15 quilos. Aos 16, comecei a trabalhar. Enfim, era uma vida comum e Samanta participava dela. Estava presente em todos os momentos familiares. Às vezes aninhada no colo de alguém enquanto assistíamos tv, brincando com um fio solto da toalha da mesa da cozinha enquanto jantávamos, pedindo manhosamente por um pequeno pedaço de carne (parecia que ela cuidava da própria saúde, sempre sem exageros) e até mesmo brincando de pega-pega comigo, derrubando tudo dentro de casa. Ah! Quanta saudade desse tempo! (Se hoje eu ficar correndo pela casa, posso ser internado em um sanatório!) Samanta me conquistou aos poucos. Eu começava a criar gosto por gatos e, consequentemente, novos membros começaram a chegar. Nenhum deles era igual à Samanta. Miados diferentes, manias diferentes. Samanta era especial e já ocupava um lugar no meu coração.
Muitas vezes, quando eu chegava da escola, ela estava dormindo em algum canto. Eu a pegava no colo, apertando-a sobre meu peito de modo que suas patas dianteiras ficassem apoiadas em meu ombro. Desse modo, eu andava pela casa falando com ela e ouvia o seu ronronar como se estivesse interessada em tudo o que eu dizia. Momentos como esse contribuíam para que eu me apegasse cada vez mais a ela.
Certa vez, minha irmã estava simulando uma briga comigo (por brincadeira) e Samanta estava perto observando atentamente. Eu e minha irmã percebemos que ela não estava à vontade com a situação. Diante disso, pedi que minha irmã levantasse a mão pra mim e me batesse continuamente de leve. No mesmo instante, a gata se levantou e foi em direção à minha irmã como se fosse atacá-la à botes. Samanta assim o fez, porém não mordia minha irmã com força, apenas colocava suas patas sem armar suas garras e roçava as presas sobre a perna da falsa agressora. Estava mais do que claro que tudo o que Samanta queria era que parássemos com a briga. Surpreendidos, chamamos nossa mãe e simulamos outra briga. a gata tentou impedir outra vez! De certa forma, Samanta correspondia ao amor que lhe era dado.
Confesso que sou deveras sentimental, portanto não é preciso muito para que minha seriedade e firmeza caiam por terra. E quando isso acontece, fico envolto por nuvens carregadas que não hesitam em derramar suas águas, mesmo que seja para regar um solo infértil. Costumeiramente, meu quarto era o lugar ideal para me ausentar de tudo, ficar à sós com Deus, e esperar Dele o consolo. Lembro, como se fosse hoje, de um dia desses, no qual estava sozinho em casa sentado à beira da cama, sem reação. Samanta entrou no quarto e se aproxmou, seus olhos azuis me fitavam serenamente. Eu não disse uma palavra. Mas ela não foi embora, pulou em cima da cama e sentou-se bem ao meu lado, sem tirar os olhos da minha face. Olhos cujas íris se resumiam a dois riscos pretos devido à intensidade da luz que entrava pela janela. Ela não estava lá porque o pote de ração estava vazio, ou porque sua caixa higiênica estava suja. Ela estava ali simplesmente para me dizer, com seus olhos, que estava tudo bem. Parece loucura, mas Samanta parecia me entender e sua companhia me trazia conforto e a certeza de que Deus estava cuidando de mim.
São muitas as memórias, mas paro por aqui. Espero que tenha explicado ao leitor o por quê de tanta falta que uma simples gatinha me faz. Mas, sinto em dizer que ainda não compreendo o emaranhado dos sentimentos que citei anteriormente. Samanta viveu 15 anos ao meu lado, mas estará presente pra sempre em minha memória!

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